As delícias da vida são as coisas que fazemos sem planejar. Os pecados não premeditados. Tenho sido algo assim, querida. Como diria o velho Nietzsche: "Nitimur in vetitum" - expressão que significa lançar-se ao proibido.
Destino é coisa de gente preguiçosa, Helena. Ou como costumo dizer: é uma forma de culpar a qualquer outro ser pela sua incapacidade crônica em ser feliz. Assumo a culpa por ser infeliz e de certa forma, convivemos bem uma com a outra - eu e a culpa, eu e a solidão, eu, a culpa e a solidão.
Sofro dessa melancolia incurável, é verdade, mas nunca questionei nenhum deus por isso. É uma dádiva, eu penso. E penso também que sei chegar ao fundo do poço sozinha e lá no fundo, não preciso de companhia. Sob este signo, renego qualquer redenção.
Só sou riso quando toco os lábios amargos sabor de fumo de um poeta que é tão triste quanto eu. A acidez dos nossos encontros quase corrói essas linhas incólumes que te escrevo agora. Em tese, quase é simples, somos dois tristes solitários que são alegres juntos. Isso bastaria, se fossemos pessoas como as outras.
Escrever-te tudo isso fez com que de uma hora pra outra, acometesse-me uma dúvida cruel: achas-me uma criatura esquisita?
Outro dia, não muito distante, uma amiga me disse que tenho passado a vida cuidando dos outros, enquanto de mim ninguém cuida. Será verdade que não existe nesse mundo, uma criatura viva se quer, capaz de abraçar-me as estranhezas e adorar-me o todo?
Passo o tempo encobrindo minha fragilidade e medo sob camadas espessas de cinismo, enquanto torço meu nariz que sai de dentro da minha máscara de arrogância. Tudo para não cometer suicídio.
O cheiro da cerveja e do cigarro me adiam as decepções mais imediatas, mas não impedem que elas cheguem. Helena, entenda que eu bem que queria lhe escrever sobre um lindo romance, mas o - ou os - que vivo é torpe e maculado.
Os beijos de amor que recebo se equiparam a beijos de traição. Os lábios que me beijam são infames e mentirosos; beijam-me como o algoz que beija sua vítima fatal. As mãos que me tocam, Helena, são as mesmas que me seguram o pescoço e impedem a passagem do ar; enforcam-me, tentam, noite e dia, silenciar-me, agridem-me. E as línguas que meu corpo percorrem são de víboras e me cobrem de sua peçonha.
"O mundo é um moinho", já dizia Cartola. Será, que de tudo isso, sairemos com vida?
Não terei vinte anos para sempre, Helena. Provavelmente, morrerei antes dos trinta. Espero em algum momento dos próximos dias poder esbarrar com alguém que me faça pensar: "Puta merda! No fim das contas, tudo isso até que vale a pena.".
Saudações,
Fernanda.
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