sexta-feira, 21 de março de 2014

A última carta

Você fez o caminho inverso do desabrochar. Pensei em começar te dizendo que o pseudônimo que te criei há alguns anos e que posteriormente se tornou o nome do nosso filho, já não te cabe mais. E mesmo sem a menor noção de direção, me encontro agora nesse ensaio profundamente pessoal em que estou desnuda para você olhar e sentir. De ponta a ponta.

Você não gostava do nome Francisco. Lembro de te dizer que ele nos faria amar qualquer nome no mundo e que, para isso, só precisava tê-lo. Você retrucou e disse que, nem por isso, ele precisava ter nome de velho. Rimos. Vê agora como fazia sentido o que eu disse? A força que emerge de mim e, talvez, de você também, o amor que nos colocaria em qualquer situação, em qualquer lugar, por ele. Fomos capazes de aceitar e amar ‘Francisco’.

Pensei em te escrever, porque mal conseguia articular as palavras nas nossas últimas conversas e, para que todas as vezes que você se perder de mim nas lembranças que guardar, volte aqui, releia e me reencontre. Você sabe que eu moro nas entranhas das suas faltas, mas aqui está a chave e o mapa.

Nos dias escuros. Quando você quiser ir. Quando eu pedir para você ir. Quando eu quiser ir. Quando você achar que não somos nem a lembrança do que fomos. Quando minhas palavras forem ásperas demais. Quando você achar que não me ama mais. Quando nos perdermos. Quando você se der conta de que agora eu parti mesmo e não há mais café ou a esperança de conversa mansa e dias bonitos... Me encontre aqui, para sempre, nessas palavras.

E me perdoe tantas vezes quanto eu perdoei você.

Foram os pequenos espaços onde guardei você que me afastaram da loucura. Sua voz, seu cheiro, o jeito como você beijava a minha testa. Você chorando quando sentiu a Giulia chutar pela primeira vez. Você cantando Hey Jude pra nós, porque sabia que quando ela estava agitada me machucava e te ouvir nos acalmava, as duas. Sua preocupação com meus enjoos. Nossos pequenos segredos... Stevie Wonder, a casa na sua rua que alugaríamos e reformaríamos pra acomodar a nossa família, Beatles, Oasis, a dança descompassada à beira-mar. O jeito como você tocava meu cabelo quando eu estava tímida para tirá-lo do meu rosto e mergulhar nos meus olhos. E todas as madrugadas em que planejamos a vida inteira.

Meus dias escuros me levam pra lugares muito assustadores. Mas eles passam, você sabe. Eu sei que muitas vezes foi difícil não retrucar, não me magoar de volta, não gritar e dizer que chega. Mas o que continuo pedindo a você é que, se puder, aja comigo com mesma parcimônia que sempre agi com você. A minha dor é um buraco que me engole vez e outra.

E me acomode no vago das suas lembranças leves também e me leve sempre com você, assim como eu sempre levarei você comigo.

Não se esqueça da coisa bonita que fomos mesmo depois da dor, do rompimento, da mágoa, da saudade. Lembre sempre que no nosso reencontro, a magia foi bem mais do que algumas faíscas.

Lembra do nosso lugar na praia. E da dança descompassada, de você pisando no meu pé e me deixando cair na areia. E de como me deixar dormir no seu peito acalmou o barulho da minha cabeça. Fecha os olhos e deixa a lembrança das músicas que te mostrei e cantei pra você deslizarem pelos seus ouvidos. E dos cafés, dos planos, do vamos-lidar-com-o-medo-juntos.

E nos dias em que nenhuma luz artificial for capaz de afastar o teu breu, lembre-se do Bukowski e do poema em que te guardo, porque essa é a verdade: eu sempre levarei você e guardarei você em centros e centros do que sou, de tudo o que restou.

Me guarda nessa lembrança. E me acomoda no melhor lugar das suas memórias. Se alguém pudesse me salvar, teria sido você.

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