quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Helena,

há muito tempo não lhe escrevo. Os tempos mudaram. As estações também. Escrevo-te agora do alto das cinzas do meu passado, queimei tudo o que era dele. Sua ausência não mais me dói; nada mais sinto, nada de bonito. Certa vez lhe disse que seria impossível destruir tudo o que sentia, parece que me enganei.

Nesses meses que se sucederam, criei novas rotinas todos os dias. Procurei o cheiro e lábios dele em tantos outros que meus dedos são poucos para contar. Persegui minhas memórias e desenterrei toda a minha dor; descobri-me no fim da linha, no fundo do poço, só então vi o que sempre esteve tangível e que rejeitei: nossa história nunca existiu.

Minha solidão era tamanha que trocava o corpo por migalhas de afeto. Todos os dias tentava me convencer de que talvez fosse mesmo minha culpa. Minha mania de exigir demais, minha carência sem fim, meu amor descabido, minhas declarações piegas, meu emocional em frangalhos, meus traumas... Arranjei tantas desculpas para justificá-lo, Helena, tantas vezes eu disse para mim mesma que tudo bem, que só essa vez e nunca mais. Nunca era a última vez.

Culpei também os outros. Minha mãe, irmãos, amigos. "A maldade está nos outros", repetia.

Revesti-me da fantasia que me vendava para que eu mesma não visse que as manchas na pele não eram de carícias. Ah querida, como me doía quando ele gritava e gritava, e a culpa era minha. Como me doía o medo, o fechar os olhos para não sentir a mão pesada no meu rosto. Minh'alma chorava baixinho, porque bem como ele dizia, "se fizer escândalo vai ser pior pra você e não pra mim". Obedecia.

Fui capaz de amá-lo ainda assim, Helena. Fui capaz de justificá-lo todas as vezes, mas perdoar seria pedir muito. Tentei, confesso. Em vão. Trabalhei a transferência de culpa, como lhe disse antes, pensava que se eu não provocasse, que se eu não respondesse, não pensasse, falasse, respirasse. Seria possível ter evitar tudo isso? Questiono ainda.

Em faces de uma nova possibilidade, este lindo romance que agora vivo, percebo a dimensão dos danos que meu antigo relacionamento causou-me. Helena, seria estranho se te dissesse que pela primeira vez na vida me sinto feliz? Sei que muitas vezes lhe jurei não ser capaz de sentir essa coisa assustadora, mas olhe para mim agora. Escrevo sobre um amor levinho, dou risada, sou engraçada outra vez. Recebo inúmeras mensagens apaixonadas durante o dia, sorrio boba. Voltei a dançar. Não fumo mais.

Tenho experimentado a embriaguez de quem vive sóbrio, vinte e quatro horas por dia sinto-me especial; o cotidiano e corriqueiro são de um tesão inédito ao lado dela. Tenho ouvido bossa-nova outra vez e aprendi que a revolução se faz com amor.

O amor, Helena. Ele muda o mundo. E a vida da gente também.

Meu amargor converteu-se numa doçura sem fim. Nossos signos de fogo são um incêndio e juntas somos a poesia mais bonita que eu já vi na vida. Minhas marcas de dor ela chama de marcas de sobrevivência e acaricia. Atenciosa, sempre preocupada em cuidar para que eu não mais me lembre do que passou; é como viver finalmente sobre o que tanto falamos. O amor. Aquele que não se pede.

Escrevo-te enquanto escuto Gal Costa dizer "Ninguém pode parar meu coração que é teu", anote, Helena: meu coração é dela; seu abraço me juntou todas as partes soltas. Seu amor me reestruturou.

Aquela velha dor não mais me dói, escrevi-te justamente para contar a nova. Finalmente, está tudo acabado.

Volto a escrever para dizer que mudei de ares. Farei isso em breve.

Cuida do teu coração, querida. Finalmente aprendi a cuidar do meu.

Rio de Janeiro, 14 de agosto de 2014.

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